terça-feira, agosto 21, 2007

Emprestado

Eles são duas pessoas que dividem algo. Poderia ser o estilo de personalidade, que inclusive é bastante semelhante, mas não é disso que estou falando. Também não é uma casa ou qualquer outro tipo de propriedade material. Da mesma forma que não é uma relação sanguínea.

Ele é o que muitos chamam de “o cara”, daqueles que alguns temem, outros admiram e que ninguém consegue ficar indiferente. Não é exatamente um exemplo de beleza, mas conquista com sua inteligência. Sempre foi assim, desde menino.

Ela, assim como Clarice, domina o mundo por meio de palavras. Sua marca registrada é um humor ácido, que do mesmo jeito que faz alguns sorrirem, faz outros queimarem e ninguém consegue ficar indiferente.

Eles dividem mesmo é uma relação de afeto. É o sangue que faz bater mais rápido o coração toda vez em que se encontram. Contudo, vejam vocês, isso aqui não é uma história de amor, quiçá uma comédia romântica.

Ele começou do nada, sem contatos, sem dinheiro, sem influência. Hoje é um empresário que está feliz já que seu império está ainda maior.

Ela é dona de um encanto

Eles, contudo, quase nunca se encontram realmente, de fato, ao vivo. Ela a conheceu por sua reputação, afinal, ele é o fodão da história. Ela mandou um e-mail, que ele respondeu. E foi daí que tudo se deu.

Ele é casado. É mais um que entrou nessa instituição burguesa e falida. Deste erro, que ele se arrepende, os únicos acertos foram os filhos. Por eles, e apenas eles, ele continua neste único investimento que não lhe rende lucros.

Ela é calejada. Entrou nos maiores tipos de roubada que uma mulher pode conhecer. Chegou inclusive a dizer que havia cansado desta brincadeira. Mas a vida, esta criança, continuava a pregar peças no caminho.

Eles, em meio a tantos desencontros com a vida e encontros virtuais e à distância, um dia finalmente encontrarem-se de corpo e alma. Uma noite em que um realizou todos os sonhos do outro. E vice-versa. Não deveria nunca acabar, mas como não poderia deixar de ser, a noite acabou...

Ele ficou abalado. Ela ficou esperançosa. Ele começou a fugir. Ela correu um pouco atrás. Ele também era perseguido pela culpa da primeira e única traição da vida. Ela era motivada pela vontade de mudar seu histórico e sua história.

Eles esfriaram. Depois disso voltaram aos desencontros da vida. Um ano se passou.

Ele um dia a convidou para conhecer a mais nova investida do império.

Ela foi. Viu. Mas, antes de partir, ela deixou com ele uma carta. O plano, inclusive, era esse. A visita era o pretexto. Diferente da esmagadora maioria das outras mulheres, ela não estava nem um pouco interessada em seu império. Apenas pediu para que ele a esperasse partir, pois não queria estar lá quando ele começasse a ler. Eis que ela abriu mão do seu humor e revelou uma parte que talvez ela própria desconhecesse:

“Que saco! que saco! que saco! Como pode duas pessoas se darem tão bem e não poderem ou conseguirem ficar juntas? Isso é muita sacanagem, tá sabendo? Eu sei que você nunca me prometeu nada, inclusive você deixava bem claro que justamente não queria se comprometer. Mas a comunicação entre os humanos é muito mais complicada do que os livros ensinam. Às vezes um amontoado de centenas de palavras, repetidas inclusive, não vence um simples gesto. Às vezes perde até para aquelas pouquíssimas palavras que ficaram ocultas, não-ditas, pelo medo das repercussões que poderiam causar. É estranho termos nos encontrado tão poucas vezes e ainda assim eu sentir o que sinto. Neste exato momento, o que eu sinto é inconformismo. Por que alguém que constrói um império com as próprias mãos não pode desconstruir uma estrutura nitidamente falida para construir outra muito melhor por cima? Afinal, este terreno chamado coração não funciona como os que a gente está acostumado a construir. Não dá pra você comprar um pouco de outra pessoa pra construir uma edificação sua. O coração, na nossa sociedade, é o que há de mais próximo do socialismo. Cada um tem o seu. Talvez fosse mais fácil se você fosse um sheik, mas não sei se eu me daria bem como odalisca. Talvez eu devesse ter te conhecido mais cedo, chegado antes, e edificado primeiro. Mas como isso não aconteceu, acabamos nós dois por edificarmos aqui, no meu coração. E é por isso que neste exato momento eu gostaria de lhe informar que no terreno do meu coração iniciou-se uma grande demolição. Você foi desapropriado. Tudo aquilo que construímos juntos, inicia-se a virar ruínas. De preferência, que não sobre um tijolo sequer. Se não posso ter tudo, então prefiro não ficar com sequer uma lembrança. A cada parede que cai, uma lágrima que escorre. A cada estrutura que explode, parte do terreno se implode e ficará danificado e perdido para sempre. Há os que acreditam que a dor é necessária para a purificação, mas eu particularmente ficaria muito bem sem ela. Até porque é uma dor que eu já conheci muitas vezes, mas nenhuma com essas proporções. Porque o que mais dói não é o que está sendo destruído, mas os projetos que sequer levantaram. É tudo aquilo que poderíamos ter sido. Tampa e panela que fechavam tão bem, que praticamente poderiam ser de pressão, o que seria bastante apropriado haja vista a intensidade com que tudo acontecia. E eu vou fazer o que estiver ao meu alcance para que este meu coração não vire um cemitério habitado por fantasmas, sobretudo os da realidade do nosso único confronto. Mas apesar dos meus hercúleos esforços, não garanto que evite de criar uma wasteland, um local abandonado, frio, vazio, livre de fantasmas, mas também de sementes. Ao final de todo esse processo não terei mais lágrimas, mas será que voltarei a ter sorrisos? Plantar eu vou tentar. Vou escolher algo na minha vida para mudar completamente. Talvez o endereço, talvez o hábito alimentar. Seja o que for, a idéia é me manter a empreiteira chamada mente o mais ocupada quanto possível. Assim, talvez, quem sabe eu não consiga fazer alguma coisa florecer. E agora só me resta pegar emprestada a genialidade do Adoniran, de quem você gosta tanto, e dizer “Adeus. Desse dia de hoje eu não vou querer me alembrar, tão vindo os home c’as ferramenta, que o dono mandou derrubar... E agora eu só quero gritar, mas Deus dá o frio conforme o cobertor. E com licença porque agora vou pro meio da rua apreciar a demolição...”

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Créditos: A foto eu peguei emprestado de http://www.flickr.com/photos/rachelk/495702941/

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